sábado, 30 de abril de 2011

O Casamento de Maria Cotinha e Severino Willians

Maria Cotinha queria casar. Arrumar um príncipe encantado daqueles de contos de fadas, conto que ela nunca leu por que não sabia ler. Ia a todos os bailes funks, pagodes, batizados, chás de panela, de cozinha, batismo, tudo para encontrar o seu príncipe. De tanto procurar, ela encontra. De pele escura, bigode vasto, pernas finas, não tinha nada a ver com as imagens dos príncipes que ouvia e via falar. Mas foi por esse que Maria Cotinha se encantara e nunca mais desencantara. O nome dele era Severino Willians. Nome “miscigenado “ de quantos e tantos outros. Severino Willians trabalhava todo dia puxando sua carruagem- carroça em busca de lata, papelões e outras especiarias. Com esse serviço comprou a aliança- dessas que vem enrolada no bombom- desembrulhou e deu a Maria Cotinha como prova do terno e eterno amor. Estavam noivos! Como fazer agora pra casar? Simplesmente, por encanto, se juntam, e em um barraco entre os shoppings que tomam conta de tudo, constroem sua casa, ali que ia começar o seu reinado. Severino Wiliam deixou seu antigo serviço e arrumou outro de flanelinha em torno do shopping. Maria Cotinha engravidava e antes dos nove meses já tinha o primeiro e antes dos três anos já tinha cinco filhos! O destino é obra de Deus e os univitelinos vieram em número de três! Severino Willians e Maria Cotinha Junto com Severino Willians Filho, Gregory Gringo, e as tri gêmeas; Kate Elizabeth, Pâmela Willians da Silva e Dardigleina Willians da Silva formavam a família que imperava nos barracos dessas cidades. Felizes? Sim! Apesar do dinheiro pouco, comida pouca, roupa pouca tinham uma enorme necessidade de serem felizes Os dois primeiros cresceram rápidos e ajudavam o pai na lavagem das Mercedes e BMWS, importados que estacionavam em torno do Shopping. Os meninos estudavam e tinha sonho. Não, não queriam ser jogadores, queriam ser advogado, médico. Eles desafiavam o destino daquele País chamado Brasil. Não queriam ser jogadores, mais médico e advogado. As trigêmeas cresciam vagarosamente, por conta da desnutrição, mas cresciam ,sobreviviam. Assim Maria Cotinha e Severino Willians e sua prole iam vivendo aquele conto de fada urbano, moderno. Sempre indo nunca voltando, sempre... Indo
E os meninos realizaram o sonho? Não conforme a totalidade, pois Severino Willians Filho descobriu outra vocação. Foi ser escritor e Gregory Gringo... É medico. As trigêmeas cresceram como por encanto e são estudantes de Direito.
Maria Cotinha e Severino vão envelhecendo, juntos, num pequeno apartamento perto do mar que seus filhos compraram para celebrar os 40 anos de casamento dos dois. Velhinhos vão vivendo... E morrendo felizes... Para sempre.
Por Samuel Santos
29/04/2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O AÇOUGUEIRO

O AÇOUGUEIRO
Seu Antonio vivia para ao açougue. Todo o dia acordava às 4h da manhã para trabalhar. Era dono do próprio negocio. Investira cada tostão no seu sonho. Infância pobre, mal tinha carne no prato. Cresceu com isso na cabeça:
- Vou abrir um açougue.
Assim, Antonio menino, foi crescendo com o seu sonho de carne. Tanto sonhou que foi trabalhar no pequeno açougue da cidade. Aprendera tudo de carne, a saber, como ninguém as especialidades da peça. O corte de Antonio adolescente era rente e firme. Nunca tremia, nunca sorria, nunca falava com os clientes... Até que Antonio adolescente conhecera Nicinha. Putinha bem feita. Mulher de poucos encantos para alguns e muito prazer para outros. Antonio que era menino estava adolescente e há pouco virara homem. Nicinha era especialista quase no mesmo ramo de Antonio: o comercio da carne. Antonio para a carne de boi, Nicinha a própria carne. Antonio se encantara por ela e nunca mais desencantara. Queria casar! A cidade caçoava dele como toda cidade caçoava de um homem que resolvesse casar com uma meretriz. Mas Antonio não ligava. Estava tão apaixonado por Nicinha...
Ele começa a trabalhar os três expedientes para poder casar com a dona da carne. Queria ele se tornar o único dono daquele pedaço. Junta dinheiro e sai do emprego. Monta seu próprio açougue. Se antes ele trabalhava muito hoje muito mais. E quando tem condições, casa finalmente com Nicinha! No seu casamento só ele e Nicéia, a Nicinha. Não tinham Amigos, não tinham parentes. NÃO VIERAM NINGUEM. Todos deram de desaparecer quando ele resolveu assumir Nicinha.
O açougue ia bem, apesar das pessoas virarem o rosto quando Nicinha aparecia, ou quando saia com ela na rua. A cidade era cruel com o relacionando deles. Com ela mais ainda. Não lhe vendia roupa, bijuteria. Nada! Tudo tinha que buscar noutra cidade. No qual Antonio fazia questão de acompanhá-la. Não por desconfiança, por que o amor de Antonio era “indesconfiável”. Dizia. Mas ele queria estar junto dela sempre, sempre e sempre.
Antonio queria ter filho. Nicinha também. Tentara muitas vezes, mas nunca conseguiam. Antonio apesar do jeito bruto era um doce com Nicinha. Delicado, atencioso, carinhoso e até se fazia de poeta e recitava versos de improviso
- o lombo do boi
É uma peça dura
Não se tira quase nada
O coração de Antonio é coração mole
Se derrete por tu como bife amaciado
Na manteiga e na brasa .
Nicinha, a sua conjugue retribuía em dobro. Sempre e toda vez que saiam para passear a cidade os ignorava. E as coisas forma ficando piores. Nunca tomara um sorvete com sua amada prostituta, pois ninguém vendia. A única coisa que a cidade não tinha poder de negar era a lua. Antonio e a sua deusa, que há muito deixaram de ser mulher da vida e que queria viver longe da fama ganhava todo mês uma lua. E a cidade cada vez mais cruel. Por inveja da felicidade dos dois se fechava cada vez para eles. Mas não deixavam de consumir, comprar no açougue de “Seu Antonio”. Era por demais paradoxais. Nicinha sempre ia com Antonio comprar noutra cidade roupas. Sempre! Só que nesse dia. Antonio não pôde ir e ela foi só. Sairia bem cedo. Assim como Antonio abria o açougue. Deu um beijo em Antonio e aquele beijo dado o fez sentir uma sensação esquisita que não sabia definir. Nicinha partiu e Antonio trabalhou naquele dia como nunca. A cidade resolvera comer carne como nunca comera antes. Teve que destrinchar três peças. Quase um boi vendido. No final da tarde quando da chegada de Nicinha, ela simplesmente não aparecia. Ele estava preocupado
- A gente sempre chegava a essa hora. Cadê Nicinha? Disse isso com um pressentimento no juízo. NADA de Nicinha. A noite vinha depois veio o dia e nada de Nicinha.
- Cadê Nicinha meu deus? Faz ela voltar...
Antonio não abrira o açougue. Estava desiludido. Mas algo lhe dizia que não era com Nicinha. Sentia algo bom por ela. Não sabia explicar... Mas algo lhe dizia que Nicinha não fugira dele. No outro dia Resolve abrir o açougue e a cidade não aparecia para lhe comprar carne. Ninguém aparecera. Ninguém!No outro dia nada de Nicinha e nada da cidade ir comprar no seu açougue.
-Cadê Nicinha? E NADA dela.
Assim resolveu ir atrás de sua esposa na outra cidade. Não a encontrara. E na volta para seu retorno é agraciado. Ver um imenso boi avermelhado na estrada.
-Boi bom! Diz ele.
Resolve tomar outro caminho: segue o boi . A ONDE O BOI vai ANTONIO IA ATRÁS . O boi parece levar Antonio a algo, a alguém, um destino, um caminho... A GUIÁ-LO. Subitamente o boi para. O local é inóspito somente ocupado por urubus. Um monte, um bando grasnando, sobrevoando sobre algo, sobre-avo-ando a carne. O boi fica ali sem se mover. Indicando. Parado justamente onde os carniceiros sobrevoavam vorazmente. Antonio notara que os bichos de manta preta não pousavam, não atacara o que pretensamente seria um bicho morto. Eles simplesmente não devoravam a carne. O boi tapava a visão de Antonio que se encontrava por trás do bicho. E ele, o boi se afasta um pouco para que Antonio tenha a revelação. A visão do qual fora guiado. Guiado por um boi, onde diariamente servia a cidade. Por um boi! Quisera o destino. Ele encontra... Nicinha! Sua amada... Estirada... Morta. Como carne podre. Mas intacta. Os urubus não quiseram devorar Nicinha, talvez por respeito, respeito por Antonio todo dia jogar as carcaças dos bichos para eles se alimentarem. E o boi? Por que levá-lo até ela. Por vingança? Vingança pelos entes desossados, fatiados, cortados e vendido no açougue. Ou era destino mesmo? Destino de boi. O boi ali a observar Antonio, que abraça a sua esposa morta, jogada entre os matos longe da cidade. Longe da cidade... Antonio abraça sua amada com tanta paixão que parece que ela estar viva. Ele tinha certeza que ela não fugiria dele. Dos seus braços de marchante. Longe da cidade. A segura e a coloca nas costas DELICAMENTE. Vai para casa, para a cidade com Nicinha morta sobre os ombros e junto com ele o boi. O boi o segue na trajetória. Ele caminha e caminha, sobe e desce silenciosamente ele , os dois: ele e o boi. Chegam à cidade, passa a Praça com Nicinha nas costas e o boi O SEGUINDO. TODOS NA CIDADE FICAM EM SILÊNCIO COM A PASSAGEM daquele homem COM A ESPOSA MORTA NAS COSTAS COMO UMA PEÇA DE CARNE. Toda a cidade para. E Antonio passa entra no açougue e coloca Nicinha no balcão. Balcão onde diariamente cortava todo tipo de carne. O boi em respeito não entra fica do lado de fora observando, ele parece compadecer daquele homem ou dos seus que foram para o abate... Nunca se sabe o pensamento de um boi. Mas o de Antonio era de dor. Dor maior. Dor de homem que sangra por dentro, sangra por alma. Por tudo por ela. Ele adorna sua amada com todas as flores que puderam comprar. Assim como o caixão. O mais bonito. Fizera isso com o boi em seu encalço, fazendo-lhe companhia.
O cemitério era pequeno e Antonio coloca o ataúde no lombo do boi e se dirige para o adeus a Nicinha. A cidade observa aquele boi, aquele caixão EM CIMA DO BOI E aquele homem cruzando a única via principal em direção ao pequeno cemitério. Abre o portão, o boi entra, ele tira o caixão de cima do boi e nesse momento a população aparece como uma manada. Para sua surpresa toda cidade estava lá. Não vieram no casamento, mais sim no cemitério. Na morte. Na partida da filha impura. Pensava ele em sua dor. Todos parecem que fora conferir Nicinha SER ENTERRADA. E A ULTIMA PÁ DE BARRO É JOGADA E ANTONIO DEPOSITA UMA ÚNICA FLOR. E UM BILHETE:
A ÚNICA CARNE BOA REALMENTE.
No outro dia abre o açougue como nada tivesse acontecido. E a cidade aparece em peso. E compram todo o estoque de carne. E gentilmente Antonio DEPOSITA um bilhete lacrado dentro da embalagem que a carne era embalada .
Meio dia hora do almoço, hora de comer carne. Antonio pega suas coisas, não tudo coloca na mala e joga em cima do boi. Fecha o açougue e parte. Nas casas as pessoas comem carne. E um bilhete é lido.
Olho por olho dente por dente. Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra. No princípio era o verbo e o verbo se fez carne... E adão e Eva comeram o fruto envenenado... O que vocês comem é a carne de Nicinha que troquei pelo do boi. Todos comem a minha Nicinha. Provem do amor, do amor que ela tinha por mim seus desgraçados! Pois essa será a ultima carne que comerão . O veneno da carne nem sempre é o pecado: é a inveja. E morram todos .
Enquanto a cidade morria, Antonio ia... Ia com o boi tranqüilamente para outras paragens.
Por Samuel Santos
ENTRE A COZINHA E O COMPUTADOR;
28/09/2010

sexta-feira, 4 de março de 2011

A RECEITA

A Receita
(NUMA PEQUENA MESA UMA MULHER ESTÁ SENTADA.)

- Todos os ingredientes estavam lá. Foi como todos os dias... A noite era mais constante... Ele chegava... E eu ia correndo feito um cachorrinho! Ele tirava os sapatos... Eu como uma gueixa os recolhia... Ele... Tirava a camisa. Era sempre da mesma cor: amarela. Aquele homem cheirava a ouro. Pegava a SUA camisa e a dobrava... Lentamente... A dobrava. A calça ele não tirava... Mas sim, o cinto. Antes dele despisse do cinto, eu já preparava os ingredientes. Na cozinha passava maior parte. Sobre a quantidade de filhos... Muitos! Todos belos... Como o pai. Todos homens, feito o pai. Todos ali... Parecia um batalhão... Prontos! Só lhes faltavam os coturnos e os fuzis. Na cozinha pus uma televisão pequena. Preta e branca. Acho que era a única TV não colorida que existia, pois não vira nenhuma em outras casas. Antes da cozinha. Tinha a feira, o mercado... Livre... o mercado livre... Com a sacola na mão... Iá as verduras. Quase não frutas, pois ele falava que fruta era para rico. Só verduras e verduras. Aprendi a conhecer as várias especialidades de legumes. Tinha: os das cascas porosas, ásperas, lisas, finas, duras, fáceis, difíceis... Difícil... À noite eram mais constantes.
Os grãos. Nunca os mesmos na semana. Conhecera todos. Na segunda o feijão era macaça, na terça, mulatinho, na quarta o verde, quinta vage, na sexta fava, no sábado feijão branco e no domingo... Preto... A noite era mais constante...
Carne... Carne... Carne... As carnes!
Carne de primeira para segunda, carne de segunda para terça, carne com osso na quarta, costela na quinta, bife na sexta, na sábado bisteca, no domingo era dia de feijoada... À noite eram mais constantes.
Os ingredientes... O básico para dar o tempero, o gosto: sal, alho e coentro com cebolinho. Tudo era preparado com sal, alho e coentro com cebolinho. A receita para tudo era: sal, alho e coentro com cebolinho. A noite era mais constante...
Ficara especialista em sal, alho e coentro com cebolinho e... Facas... Sabia como manejá-las, amolá-las... Limpá-las... Para cada legume uma faca, para cada carne outra, uma em cada. Aprendera a cortar os vários tipos de carne. Na segunda a carne de primeira era cortada por uma faca bem fina, na terça a carne de segunda era uma faca peixeira de cabo longo, na quarta o cutelo para a carne com osso, na quinta o cutelo se repetia pois a costela mesmo querendo a peixeira a cortava com o cutelo, na sexta o bife por não ser tão macio... A faca era de ponta bem afiada Só a ponta, no sábado tinha a bisteca, que não tinha muito serviço, pois só tirava o pouco da gordura da extremidade, no domingo... As facas quase todas eram usadas! Vários tipos de carnes requerem vários tipos de facas... Era um requinte... De crueldade... A noite era mais constante...
E quando o cinto era despido... Sentia... A segunda com carne na primeira, na terça a segunda, a quarta os ossos doíam, na quinta o cutelo nas costelas, na sexta o bife era amaciado, no sábado a bisteca gordurosa sangrava e no domingo todas as carnes...
Sangravam... Doíam... A alma. A noite era mais constante... E minhas mãos cheirando a alho coentro e cebolinho. A Pele, o gosto era... De sal, alho e cebolinho... Impregnado... Sedimento de cozinha... Era... Eu... Sedimento de cozinha... Pele áspera, dedos lisos, narinas finas, unhas duras, fáceis, difíceis... Difícil... À noite eram mais constantes.
Os grãos... Danação! Grãos, grãos, grãos, grãos, grãos, grãos, grãos, grãos , feijão, feijão,feijão, feijão, feijão, feijão, feijão, legumes, legumes, legumes, legumes, legumes, legumes, legumes, carne, carne, carne, carne, carne,carne, carnes, faca, faca, faca, faca , faca, faca, facas, sal,sal, sal, sal, sal, sal, sal, alho, alho, alho, alho, alho, alho, alho, cebolinha, cebolinha, cebolinha, cebolinha, cebolinha, cebolinha, cebolinha... Sedimento de cozinha... Cinto, noite... Os ingredientes... Tempero,
Essa era a receita. Aprendera na cozinha a ter um olfato privilegiado. Conseguira distinguir cada odor. Se o legume estava podre, se a carne estava estragada, se o feijão estava mofado, se o alho e o cebolinho não prestavam... Se o perfume era doce... E quando ele tira a camisa e a pego... O cheiro... Diferente... Bem diferente... Era doce como erva... A erva... E o cinto... A noite era mais constante.
Aprendera nova receita... Depois daquele aroma... E do cinto... Aprendi novos ingredientes. A misturar outras ervas... Acrescidas ao sal, alho e coentro com cebolinho. E as noites foram parando... Deixando de... Serem constantes ...
(OUVESSE BARULHO DE UMA SIRENE DE POLICIA)


Por Samuel Santos.